Procurava elaborar algum novo plano de vida que tivesse a sua filosofia raciocinada e os seus princípios ordenados e encontrasse na espiritualização dos sentidos a sua suprema efectivação.
Tem-se, e com muita justiça, denegrido o culto dos sentidos, pois os homens sentem um natural instinto de terror pelas paixões e sensações que se lhes afiguram mais fortes do que eles e eles têm a consciência de partilharem com as formas interiormente organizadas da existência. Parecia, porém, a Dorian Gray que se não havia compreendido a verdadeira natureza dos sentidos, e que, se eles haviam permanecido selvagens e animais, era simplesmente porque o mundo procurara submetê-los pela fome ou matá-los pelo sofrimento, em vez de procurar fazer deles elementos duma nova espiritualidade, cuja dominante característica fosse um belo instinto de beleza.
Quando, num exame retrospectivo, seguia o homem através da História, obsidiava-o a sensação de o ver desfalcado, diminuído. O que havia sido sacrificado! E a que objectivo tão mesquinho! Houvera doidas e voluntárias abdicações, formas monstruosas de autotortura e de renúncia, cuja origem era o medo, e cujo resultado era uma degradação infinitamente mais terrível do que aquela imaginária degradação a que, na sua ignorância, haviam procurado subtrair-se, pois que a Natureza, na sua admirável ironia, obrigava o anacoreta a comer com as feras do deserto e dava por companheiros ao eremita os animais do campo.