O Retrato de Dorian Gray - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 201 / 335

Sim, devia haver, como profetizara Lord Henry, um novo hedonismo, que de novo criasse a vida e a salvasse desse grosseiro, indecoroso puritanismo, a cujo curioso renascimento estamos hoje assistindo. A inteligência tinha, sem dúvida, aí um papel a exercer; contudo, nunca se devia aceitar teoria alguma, sistema algum, que envolvesse o sacrifício de qualquer modalidade da experiência passional. O seu objectivo, com efeito, era ser a própria experiência, e não os frutos da experiência, por mais doces ou amargos que eles fossem. Repudiaria o ascetismo, que atrofia e mata os sentidos, e a devassidão vulgar, que os embota. Mas ensinaria o homem a concentrar-se nos momentos duma vida que é, ela própria, um momento apenas.

Poucos há de nós que não tenham algumas vezes acordado antes do amanhecer, já após uma dessas noites sem sonhos que quase nos enamoram da morte, já após uma dessas noites de horror ou de informe alegria, em que pelas câmaras do cérebro perpassam fantasmas mais terríveis do que a própria realidade, animados dessa vida intensa que se acoita em todos os grotescos, e que dá à arte gótica a sua persistente vitalidade, pois que esta arte é especialmente a arte daqueles cujas almas foram perturbadas pela doença da rêverie...





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