O Retrato de Dorian Gray - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 202 / 335

A pouco e pouco insinuam-se uns dedos brancos por entre as cortinas, que parecem tremer. Sombras mudas, de recortes negros e fantásticos, adejam pelo quarto e aninham-se nos cantos... De fora chega até nós o chilrear dos pássaros nas árvores, o ruído dos homens que se dirigem para o trabalho, o suspirar e o soluçar do vento, que desceu dos montes e vagueia em torno da casa silenciosa, como se receara acordar os seus habitantes... Vão-se erguendo, uns após outros, os véus de ténue gaze, e, gradualmente, as coisas vão recuperando formas e cores, e nós vemos a alvorada refazer o mundo no seu molde antigo. Os lívidos espelhos recomeçam a sua vida mímica. As velas apagadas estão onde as deixáramos, e ao lado está o livro meio cortado que estivéramos estudando, a flor que trouxéramos no baile, a carta que receáramos ler ou que havíamos já lido demasiado... Nada nos parece haver mudado. Das sombras irreais da noite ressurge a vida real já de nós conhecida. Temos de a reatar onde a havíamos deixado, e então empolga-nos uma terrível sensação da necessidade de continuarmos a despender a energia no mesmo enfadonho âmbito de hábitos estereotipados, ou, quiçá, um intenso e ansioso anelo de que às nossas pálpebras, ao descerrarem-se uma manhã, se deparasse um mundo novo, construído durante as trevas para nosso deleite, mundo em que as coisas tivessem formas novas e cores novas e se transformassem ou tivessem outros segredos, mundo em que o passado pouco ou nenhum lugar ocupasse, ou não sobrevivesse em forma alguma consciente de obrigação ou pesar, pois até a lembrança da alegria tem o seu travo e as recordações do prazer a sua dor...




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