O Retrato de Dorian Gray - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 282 / 335

Um só pensamento rastejava de célula em célula do seu cérebro; e o feroz desejo de viver, o mais terrível de todos os apetites do homem, atiçava-lhe os nervos trémulos e incutia-lhe força em cada fibra do seu corpo. Odiara outrora a fealdade, porque dava realidade às coisas; amava-a agora pelo mesmo motivo. A fealdade era a única realidade. As grosseiras altercações, os antros repugnantes, a crua violência da vida desordenada, a própria vileza do ladrão e do vagabundo eram mais vívidas, no seu intenso realismo de impressão, do que todas as formas graciosas da Arte, do que todas as sombras quiméricas do Canto. Era isso o que necessitava para esquecer. Em três dias estaria liberto...

De chofre, o cocheiro estacou à entrada dum beco lôbrego. Por cima dos telhados baixos e das chaminés desmanteladas das casas perfilavam-se os mastros negros dos navios; farrapos de bruma alvacenta pareciam prender-se-lhes como velas espectrais.

- É para estes lados, não é? - perguntou roufenhamente.

Dorian estremeceu e espreitou em roda.

- Está bem, serve aqui - respondeu; e, saindo apressadamente, deu ao cocheiro a gorjeta que lhe prometera e encaminhou-se a passos largos para o cais. Aqui e além um lampião bruxuleava na popa de algum enorme navio mercante.





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