O Retrato de Dorian Gray - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 324 / 335

Pasmo às vezes da minha sinceridade. Ah! Dorian, que feliz você é! Que vida deliciosa tem tido! Tem bebido de tudo profundamente. Tem esmagado as uvas de encontro ao céu da boca. Nada lhe tem sido ocultado. E para você tudo tem sido apenas como o som da música: tudo tem passado por você sem o afectar. É sempre o mesmo!

- Não sou o mesmo, não, Henry.

- É o mesmo, sim! Desejaria saber o que será o resto da sua vida. Não a estrague com renúncias. É agora um tipo perfeito. Não se ampute. Agora é absolutamente irrepreensível. Não meneie a cabeça: sabe bem que o é. Além disso, Dorian, não se iluda a si próprio. A vida é uma questão de nervos, de fibras e de células lentamente elaboradas, em que o pensamento se acoita e a paixão tem os seus sonhos. Pode imaginar-se seguro e considerar-se forte. Mas uma tonalidade casual num quarto ou num céu matinal, um perfume particular de que outrora gostou e que lhe evoca subtis recordações, um verso dum poema esquecido que de novo se lhe deparou, uma cadência dum trecho de música que havia deixado de tocar - afirmo-lhe, Dorian, é de coisas assim que dependem as nossas vidas. Browning fala disso algures; mas os nossos sentidos imaginá-las-ão por nós. Momentos há em que o aroma do lilás branco me acode subitamente, e tenho então de reviver o mais estranho mês da minha vida.





Os capítulos deste livro