- Você devia ter-se ido embora, quando eu lho pedi - murmurou o pintor.
- Fiquei, quando mo pediu - respondeu Lord Henry.
- Henry, eu não posso disputar com os meus dois melhores amigos ao mesmo tempo, mas ambos fizeram com que eu odeie a mais bela obra que tenho produzido, e vou destruí-la. Que é ela senão pano e tintas? Não consentirei que se atravesse nas nossas vidas e as estrague.
Dorian Gray ergueu da almofada a cabeça de oiro, e, pálido e de lágrimas nos olhos, olhou e viu-o dirigir-se para a mesa de pinho, que estava junto à janela. Que ia ele fazer? Viu-lhe os dedos remexerem nervosamente tubos e pincéis, procurando o que quer que fosse. Sim, era a grande faca-espátula, de fina lâmina de aço. Encontrou-a por fim. Ia esfaquear a tela.
Com um sumido soluço, o jovem saltou do divã e, correndo para Hallward, arrancou-lhe a faca e atirou-a para o fundo do atelier.
- Não, Basil - bradou. - Seria um crime!
- Folgo muito que finalmente aprecie a minha obra, Dorian - disse o pintor, friamente, ao recobrar-se da sua surpresa. Nunca pensei que a apreciasse.
- Que a apreciasse? Tenho-lhe amor. É uma parte de mim mesmo. Sinto-o.
- Bem, quando você estiver seco, será envernizado, encaixilhado e mandado para sua casa. Depois pode fazer de si o que lhe aprouver - dizendo isto, atravessou o quarto e tocou a campainha. - Quer chá, não é verdade, Dorian? E você também, Henry? Ou não aprecia estes prazeres simples?