O Retrato de Dorian Gray - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 77 / 335

Era a princípio muito débil, com notas profundas e melodiosas, que pareciam penetrar, uma por uma, nos nossos ouvidos. Depois subia um pouco e assemelhava-se ao som longínquo duma flauta ou dum oboé. Na cena do jardim tinha todo o trémulo êxtase que a gente ouve antes do alvorecer, quando cantam os rouxinóis. Havia momentos, depois, em que tinha a desvairada paixão dos violinos. Sabe o império que sobre mim tem uma voz ... A voz e a Sibyl Vane são duas coisas que eu jamais esquecerei. Quando cerro os olhos, ouço-as, e cada uma delas diz-me alguma coisa diferente. Não sei qual delas seguir. Porque não havia de amá-la? Henry, amo-a. Ela é para mim tudo na vida. Vou todas as noites vê-la representar. Uma noite é Rosalinda, outra noite é Imogénia. Vi-a morrer na penumbra dum jazigo italiano, sorvendo o veneno dos lábios do amante. Vi-a vaguear pela floresta de Arden, graciosamente disfarçada de rapaz, de calças, gibão e boné. Vi-a doida, apresentar-se diante dum rei criminoso e dar-lhe arruda e ervas amargas. Vi-a em todos os tempos e em todos os trajos. As mulheres vulgares nunca fazem vibrar a nossa imaginação. Limitam-se ao seu século. Não há feitiço que as transfigure. Conhecemos o seu íntimo tão facilmente como lhes conhecemos os chapéus. Podemos sempre penetrá-las.




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