A personagem destas duas visões assombrou o advogado durante toda a noite; e se, por alguns instantes, conseguia dormitar, era para vê-la a esgueirar-se furtivamente por entre as casas adormecidas, ou a correr vertiginosamente pelos labirintos mais amplos da cidade iluminada, derrubando uma criança em cada esquina por onde passava, deixando-a a gritar no chão. Além disso, a figura não tinha um rosto que lhe permitisse identificá-la; mesmo nos sonhos, as feições eram indistintas e fluidas. Deste modo, na mente do advogado, crescia uma intensa curiosidade, quase incontrolável, de contemplar o rosto do verdadeiro Sr. Hyde. Sabia que, se pudesse pôr-lhe os olhos em cima, ainda que por breves instantes, todo o enigma se esclareceria, e talvez se dissipasse na bruma, como normalmente acontecia com todas as coisas misteriosas, quando examinadas com minúcia. Poderia então encontrar uma explicação para a predilecção ou sujeição (chamem-lhe como quiserem) do seu amigo e, eventualmente, para as intrigantes cláusulas do testamento. De qualquer forma, deveria valer a pena ficar a conhecer aquele rosto: o de um homem sem o mínimo de piedade; um rosto que bastava ser contemplado para despertar um sentimento de profundo ódio, como acontecera ao insensível Enfield.
A partir de então, o Sr. Utterson começou a frequentar a ruela das lojas. De manhã, antes de ir para o escritório; à tarde, quando o trabalho era muito e o tempo escasso; à noite, sob o luar enevoado que iluminava a cidade; a qualquer hora de solidão ou de grande movimento, lá estava o advogado no seu posto.
