- Espero aqui, obrigado - respondeu o advogado, aproximando-se da lareira e debruçando-se sobre a cantaria.
Aquele salão, onde agora se encontrava sozinho, era um recanto de especial predilecção do seu amigo médico; o próprio Utterson costumava afirmar que aquela era a sala mais aprazível de Londres. Mas, naquela noite, sentia um arrepio a correr-lhe nas veias; ainda tinha na memória o rosto de Hyde; e estava dominado (o que raramente lhe acontecia) por uma sensação de náusea e desencanto pela vida. Imerso em tenebrosos pensamentos, parecia antever uma terrível ameaça nos reflexos vacilantes das chamas que se projectavam nos móveis polidos e nas sombras que se agitavam no tecto. Sentiu um alívio envergonhado quando Poole regressou anunciando que o Dr. Jekyll tinha saído.
- Vi o Sr. Hyde entrar pela porta da velha sala de anatomia - observou o advogado. - É normal, não estando o Dr. Jekyll em casa?
- Perfeitamente, Sr. Utterson - respondeu o criado. - O Sr. Hyde tem uma chave.
- O seu patrão parece depositar uma grande confiança nesse homem, Poole - observou o outro, com um ar pensativo.
- É verdade. De facto, assim é - confirmou Poole. - Todos temos instruções para lhe obedecer.
- Não creio que alguma vez o tenha visto aqui em casa.
- Ah, não, isso nunca, Sr. Utterson. Ele nunca janta cá - informou o mordomo. - Na verdade, vemo-lo muito raramente nesta parte da casa; quase sempre entra e sai pela porta do laboratório.
- Bem. Boa noite, Poole.
- Boa noite, Sr. Utterson.