- Creio que houve jogo sujo - disse Poole, num tom áspero.
- Jogo sujo! - bradou o advogado, em grande parte assustado e; em consequência, algo irritado. - Que jogo sujo? Que quer dizer com isso?
- Não me atrevo a dizer, senhor - foi a resposta; - mas quer acompanhar-me e ver com os seus próprios olhos?
A única resposta do Sr. Utterson foi levantar-se de imediato para pegar no chapéu e no sobretudo; porém, observou com espanto o enorme alívio que se instalou no rosto do mordomo; e, porventura com mais espanto, verificou que o vinho continuava intacto quando o homem o pousou na mesa para o acompanhar.
Estava uma noite tempestuosa e fria, própria do mês de Março, com uma lua pálida, deitada sobre si mesma como se o vento a tivesse virado, por entre farrapos de nuvens da mais diáfana e aveludada textura. O vento fustigava o rosto e dificultava qualquer tipo de conversa. Parecia ter varrido as ruas, invulgarmente despidas de transeuntes, aliás; de tal modo que o Sr. Utterson pensou que nunca vira aquele bairro londrino tão deserto. Teria desejado que assim não fosse; nunca na sua vida tivera consciência de um desejo tão forte de ver e tocar os seus semelhantes; por mais que se debatesse, alojara-se-lhe na mente uma excruciante previsão de calamidade. Quando chegaram à praceta, o vento levantava furiosamente a poeira, e as árvores delgadas do jardim flagelavam-se contra o gradeamento.