A minha caça ao homem terminou. Tornemos a esta noite decisiva. Tinha jurado a mim mesmo chegar ao fim. Em vão, sentia a cabeça prestes a rebentar; encarnicei-me tão energicamente no trabalho que só ergui a vista ao fundo da última coluna. Belo exemplo de domínio de si próprio, porque sabia que se passavam no espelho coisas prodigiosas. Todos os nervos do meu corpo me informavam disso. Se erguesse a vista, a minha resolução ia ao ar. Só levantei a vista depois de ter encerrado definitivamente os livros de registos. Então, por fim, com as têmporas a latejar, larguei a pena e observei. Que espectáculo!
O espelho, na sua moldura de prata, brilhava como um teatro onde se desenrola uma peça. Agora, já não havia ali nevoeiro. O esgotamento dos meus nervos engendrara esta claridade maravilhosa. Cada feição, cada gesto assumia o relevo da vida. E pensar que eu, um contabilista, o mais positivo dos seres, sentado, esgotado, ali diante dos livros de um falido, fora o escolhido entre todos os homens para contemplar uma tal cena! Era sempre a mesma cena, com as mesmas personagens, mas o drama tinha avançado um passo. O jovem alto segurava a mulher nos seus braços. Tinham conseguido afastar o homem que se lhe agarrara ao vestido. Uma dúzia de indivíduos, barbudos e com ar feroz, rodeavam-no, atingindo-o com as suas facas. Parecia que todos o atingiam ao mesmo tempo; via-lhes as mãos erguerem-se e baixarem numa cadência perfeita. O sangue não corria das feridas: saía em repuxo; maculava o vestido vermelho; brotava de todo o lado; e aquela púrpura sobre este carmesim dava tons de ameixa demasiado madura! Os golpes redobravam, e os esguichos de sangue também! Era horrível, horrível! Arrastaram o homem, à força, até à porta. A mulher seguiu-o com os olhos, semivirada e de boca aberta.
