- Nenhum outro é autêntico. Sou a reencarnação de Edgar Allan Poe. Sou um espectro de casta inferior que aterroriza o espírito. Repare no meu sangue e nos meus ossos. Sou pavoroso e provoco náuseas. Não preciso de nenhuma ajuda pedida ao exterior. Trabalho com lençóis mortuários, uma tampa de caixão e uma bateria eléctrica. Numa noite faço embranquecer os cabelos.
Este ser estendeu-me os braços descarnados como para me solicitar, mas meneei a cabeça e ele desapareceu deixando atrás de si um odor abjecto, enjoativo, repulsivo.
Voltei a cair na cadeira, submetido a um tal terror, a uma tal repugnância que me teria resignado a dispensar todo o género de fantasmas se tivesse a certeza de que aquele era o derradeiro do hediondo desfile.
Um fraco roçagar de vestes que se arrastam pelo chão advertiu-me de que não era assim.
Levantei os olhos e vi uma aparição branca transpor o limiar e passar do corredor para a luz.
Quando transpôs a porta vi que era a de uma jovem e bela dama vestida à moda antiga.
Tinha as mãos postas à frente e o seu rosto pálido e orgulhoso revelava as marcas da paixão e do sofrimento.
Atravessou o vestíbulo com um ruído leve, comparável ao estalido das folhas do outono; depois, virando para mim os seus belos olhos de uma indizível tristeza, disse-me:
- Sou a mulher queixosa e sentimental, bela e maltratada. Fui abandonada e traída. Solto gritos lancinantes durante a noite e deslizo pelos corredores. Os meus antecessores são de elevada respeitabilidade e quase sempre aristocráticos. Os meus gostos são estéticos. Uma mobília antiga de carvalho como esta serviria acrescentando-lhe algumas cotas de malhas e grandes quantidades de tapeçarias. Agrada-lhe ficar comigo?
Perto do fim da frase, a voz extinguiu-se numa bela cadência, e estendeu as mãos com ar suplicante.