Ecce Homo - Cap. 2: Porque sou tão sábio Pág. 12 / 115

Tal amor aparece-me como debilidade, como caso particular da incapacidade de reagir contra os impulsos. A piedade só nos decadentes ó virtude. Censuro nos misericordiosos irem facilmente contra o pudor e o sentimento das distâncias. A compaixão degenera, num abrir e fechar de olhos, em coisa da populaça e acaba por tomar grosseiro aspecto. As mãos piedosas podem ter acção destrutiva nos grandes destinos, atacar a solidão magoada, o privilégio que uma grande falta confere. Dominar a piedade constitui para mim nobre virtude: descrevi, sob o nome de Tentação de Zaratustra, aquele momento em que um grito de angústia chega aos ouvidos de Zaratustra e em que a compaixão o invade, último pecado capaz de o tornar infiel a si próprio. É aí que importa dominar-nos; é aí que importa conservar a grandeza da nossa missão livre do contacto de todos aqueles impulsos vis e mesquinhos que actuam nas acções que se dizem desinteressadas. E eis a prova, talvez decisiva, que teve de fazer Zaratustra, a verdadeira demonstração da sua força.

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Há ainda outro ponto em que sou apenas o que meu pai foi e de certo modo a continuação dele, após sua morte prematura. Como todos que não viveram entre iguais e a quem é tão desconhecida a ideia de represália, como a de «igualdade de direitos», abstenho-me, tanto nos casos de pequeno desfavor como nos de maior agrado, de toda e qualquer medida de segurança e protecção, consequentemente de toda a espécie de defesa, de toda a «justificação». O meu processo de replicar consiste em contrapor a uma palavra estúpida outra subtil: assim se obtém a nobre vingança. Para me exprimir por imagem, ofereço uma caixa de bombons para me livrar da contingência ácida.

Se me fazem alguma maldade, «pago-me»





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