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Ousarei indicar ainda outro traço da minha natureza que tantas dificuldades me cria nas relações com os homens? Ê aquela perfeita e misteriosa receptividade dos meus puros instintos pela qual denuncio fisiologicamente a vizinhança ou - como dizer? - o que há de mais íntimo em qualquer alma... Tenho nessa receptividade antenas psicológicas com que tacteio e descubro todo o secreto: aquela imundície escondida no fundo dos homens, motivada talvez pelo sangue mas envernizada pela educação, patenteia-se-me quase ao primeiro contacto. Se bem observei, tais naturezas, insuportáveis ao meu sentido de limpeza, têm pelo seu lado, o correspondente da náusea que eu experimento; mas nem por isso se tornam mais asseadas...
Costumo considerar a pureza para comigo condição de existência; não me mantenho nas situações impuras; banho-me e nado constantemente em água límpida, num elemento completamente transparente e brilhante. Disto resulta serem as minhas relações com seres humanos constante prova de paciência, e a minha humanidade não consiste, portanto, em simpatizar com os homens mas em consentir-me simpatizar com eles... A minha humanidade é uma constante vitória sobre mim.
Tenho, porém, necessidade de solidão, isto é, de cura, de regresso a mim, do sopro da brisa pura e rápida... E todo o meu Zaratustra constitui um ditirambo à solidão, ou, se bem me compreenderam, à pureza... Mas, felizmente, não à «loucura da castidade».