Vem um Sapateiro com um avantal, e carregado de formas, e chega ao batel infernal, e diz:
SAPATEIRO
Hou da barca!
DIABO
Quem vem i?
Santo sapateiro honrado!
Como vens tão carregado?
SAPATEIRO
Mandaram-me vir assi...
E pera onde é a viagem?
DIABO
Pera o lago dos danados
SAPATEIRO
Os que morrem confessados,
onde têm sua passagem?
DIABO
Nom cures de mais linguagem!
Esta é tua barca, esta!
SAPATEIRO
Arrenegaria eu da festa
e da puta da barcagem!
Como poderá isso ser,
confessado e comungado?
DIABO
E tu morreste escomungado:
nom o quiseste dizer.
Esperavas de viver;
calaste dous mil enganos.
Tu roubaste bem trint’anos
o povo com teu mester.
Embarca, eramá pera ti,
que há já muito que t’espero!
SAPATEIRO
Pois digo-te que nom quero!
DIABO
Que te pês de ir, si, si!
SAPATEIRO
Quantas missas eu ouvi,
nom me hão elas de prestar?
DIABO
Ouvir missa, então roubar –
é caminho per’aqui.