Os Pobres - Cap. 19: XVIII - O Gabiru treslê Pág. 115 / 158

Julgaríeis que na sombra, sob a árvore, o luar constrói e tece, à medida que o Gabiru vai tecendo. É não sei o quê de incerto que mexe – fio de luar ou vento que passa e vai transir a sombra misteriosa. O Gabiru olha extasiado.

Da terra dilacerada surgem formas de prodígio.

Quanto mais revolvida a matéria, mais bela é a eclosão do sonho. Da vida da Mouca que começou a sofrer em pequenina, logo a princípio se criou algo de radioso. Ela ria, a Mouca, escarnecida e calcada, sem ter tido quem a ampare senão prostitutas e ladrões. Nasceu para gritar – e ri. Mas nada se perde na vida. Ela que tudo ignora, rolada como as pedras no enxurro, conhecerá o extraordinário sonho. Daquela matéria espezinhada vai nascendo uma maravilhosa forma de luar.

O filósofo sorri extasiado para a Sombra. Ei-la!

Uma fisionomia pálida, onde os olhos cegos se perdem, ténue, construída de luar ou construída de sonho. Direis que essa figura esguia, sustentada a luar, de negros cabelos de sombra, desaparece no escuro, torna a surgir nos fios de luar...

– Fui eu que te criei, és minha! – diz ele absorto, erguendo-se. – Caminhas para mim alheada, não me querendo olhar e não me podendo fugir, pálida e tremendo. Vens sob o tecido do luar. Oh que palavras te hei-de dizer, ajoelhado, que singulares monólogos feitos de nada e enormes, arrancados à vida láctea, com palavras que nunca aprendi, nem soube dizer, mas que me brotam da alma como nascentes! Quem me dera ser a noite, a árvore, o luar, que me enche de aflição! Juro-o, as árvores falam com o luar, as montanhas namoram-se ao luar. Brilham perdidas tantas estrelas pelo céu, meu amor!... Os sapos, confundidos diante da giganteia natura, cantam nesses pios que, ao longe, na solidão, magoam como ais de alguém a quem aconteceu desgraça.





Os capítulos deste livro