III - As mulheres Ao vir a noite põem-se as prostitutas a cantar; entre as pedras ressequidas e o ruído humano põem-se as prostitutas a cantar. São pobres seres de descalabro e piedade, lama que o homem gera de propósito para o gozo. A treva leva e dispersa essa toada em farrapos, os flocos de tristeza, que são como a alma, a aflição da noite, a soluçar. Noite... Remorsos, sonhos, soou a vossa hora! De blocos negros se constrói outra cidade... Há ainda claridades esparsas, que a Sombra calada, a tactear, de súbito afoga sem rumor. E de entre as meias portas surgem fisionomias como só o remorso as cria: diríeis, de tristes e cansadas, que se vão diluir como as das mortas.
E a hora de o gato-pingado descer as escadas a passos cavos, de o Gebo contar sempre a mesma história desconexa, de os pobres saírem à procura de pão..
No escuro as mulheres falam para se esquecerem.
Às vezes somem-se as bocas e da treva irrompe aquela voz de tragédia, como se a treva falasse, ao que dum canto a escuridão responde:
– Ó tu!...
– Que é?
– Lembrou-me agora uma coisa.
– O quê?
– Nesta vida sabeis o que há de pior? É nem a gente poder estar triste.
– Aí começas tu...
Lento e lento, a noite que cai as afoga e na escuridão sente-se pairar a desgraça... Calam-se e depois a mesma voz começa:
– Vem um, quer que eu me ria, vem outro e quer-me triste. Quem entra que se lhe importa?
– E então?
– Nada. Mas inda assim olhai que é triste a gente não poder ao menos lembrar-se...
– De quê?
– Do que lá vai...
– Melhor é a gente não se lembrar do que passou.
– Tomara eu ser morta – afirma outra voz.
– E tu?
– Eu? tu falas para mim? – pergunta uma magra surgindo do escuro. – Tomara eu não ter memória, para não tornar a vê-la, como quando a vi estirada no caixão, por vê de mim.