XVI - O que é a vida? O Gabiru não entende a vida. Acha-se de repente num pélago refervendo oiro. Descobre torrentes impetuosas de ódio, torrentes de escárnio, a Árvore, as estrelas, um eterno redemoinho, gritos, levadas de sonho.
Para onde? para onde corre tudo isto? A Morte ao lado duma árvore cheia de flor. Um caos. Treva e sol, oiro em borbotões, e o homem indiferente... Ao dar de cara com a existência, ao ver-se escarnecido, o Gabiru grita.
Pois passa o inverno e a tempestade, vem a primavera e o sol, e o homem nem sequer os olhos ergue? Sob os seus pés a terra move-se, num burburinho, toda ela viva; sobre a sua cabeça a abóbada do céu arqueja, carregadinha de estrelas – e o homem queda-se inconsciente? Há o escárnio, a desgraça, pedras, constelações e o mar profundo e o homem continua impassível.
O que é isto? o que é a vida? o que é este mistério onde o homem entra como a salamandra no fogo? Pode alguém de repente dar com uma árvore cobrindo-se de flor, sem ficar espavorido? No mais desprezível charco se espelha o sol e tumultua a matéria em combinações infinitas – e o homem segue o seu trilho inconsciente!..
Todos os desgraçados se reúnem no saguão para o interrogarem – os ladrões, os pobres e as mulheres da viela. O que é a Vida? o que é a Vida? Uma alma, um sonho? A vida tem realidade? O que pratico sobre a terra é indiferente ou vai repercutir-se algures? Isto é lodo ou fogo, aparência ou temerosa realidade? E o escárnio e a água a nascer fulgindo de entre a terra, a dor, o amor, a nuvem que passa, o vento? Tudo isto é um turbilhão de almas e de pedras, de árvores e de sonho, sem fito, ou esta levada esplêndida caminha para um fim ignorado de beleza? Ideio numa cova, num sepulcro fechado, ou vivo a verdadeira existência?
E os pobres? porque é que os pobres sofrem sem gritos, revolvidos como a terra por este arado – a dor?
Só vêm a este mundo para sofrer?
O Gabiru via-os cheios de resignação seguirem o caminho da vida, cada um com sua cruz, feridos nas pedras aspérrimas, sem pão, escarnecidos, tombando por terra sem poderem mais.