– Mas foi a Noite então?...
– A Noite. Uma primavera negra, feita de emoção e de noite. Eles só deitam flor à noite e só podem sonhar à noite.
– São afinal, é certo, sonhos. Uns parecem estátuas vivas, outros são disformes...
– Eu tenho visto. É uma amálgama singular.
Criaturas de fogo, outras de crime. Di-las-íeis revolvidas, homens e sonhos misturados, um rio que tudo acarrete...
– O que eles sonhariam para chegar a materializar!
– De cada canto surgem. É inesperado e imprevisto.
E dos sítios mais negros é que eles irrompem em brasa.
Ontem vi um que parecia uma flor – branco, todo branco ou de luar gelado...
– E falam!
– Falam, pregam! Ouve-lhe os gritos?
Era na realidade uma mistura de sonho e vida. O bairro leproso estremecia. O Prédio, queria ele própria criar. O rio subterrâneo estropia cóleras, engrossara, rompera para a luz. E a Árvore imensa enchia o mundo.
Não era uma árvore como as outras, cheias de frescura e rumores – uma construção viva, com pernadas e folhas que se agitam, um gigante forte e simples. A Árvore era enorme e só dor, esbranquiçada e só dor. E aquela dor materializada e de pé, chamava todos os desgraçados, atraía-os de muito longe até ao fundo do saguão, em frente do hospital de pedra, compacto, e monstruoso.
Noite revolvida até às entranhas, fisionomias revolvidas até ao âmago – espectros de ladrões, de prostitutas e de pobres... À roda a cidade confusa e indistinta, léguas de pedra uniforme, e para lá mais pedra aglomerada. – A cidade era odiosa ou a vida é que era odiosa?
Falaram baixo. Depois calaram-se... A Árvore vibrava toda sensibilidade, duma vida só dor, duma vida irreal e estranha – só dor...
Silêncio. E eles no saguão imundo viram primeiro (todos encolhidos, e encostados uns aos outros) uma paisagem ao luar.