– Pobre de ti! – diz por fim o filósofo. – Tu és a terra, tu és a terra a falar... Tu és só terra. Eu não vivi?
Tu és como a forja apagada e eu não, eu não, eu ardo!...
Olha! Olha!...
Mostrava-lhe os montes, o rio, os pinheiros transformados ao luar.
– Não, não quero ver. Isto tira a força à gente.
– Olha! olha!
Mostrava-lhe, esguio, e parecendo um D. Quixote banhado de luar, um sonho que o outro não podia ver...
– Não quero... Ouve. Se uma criança tem de vir a ser como as mulheres da viela não era melhor morrer?
– Talvez.
– Não é isso que te pergunto. Não era melhor morrer?
– Não sei.
O ladrão ficou um minuto a olhá-lo calado, e depois, de repente, abalou.
Foi esta noite! foi esta noite! Há dias em que eu sinto como uma torrente impetuosa que vem do outro lado do Hospital. As pedras estremecem impelidas. Há como uma ligação entre a Árvore e aquelas pedras. Os seus esgalhos esbranquiçados e esguios cresceram mais e ontem à tarde eu vi que a Árvore já não era a mesma.
Foi quando, como agora acontece desde março, o sol lhe deixou poeira de oiro nos galhos. Vai-se o sol embora e ainda – vou jurá-lo – lhe fica sol nos ramos. Ontem à tarde parecia transformada, diríeis haver nela não sei o que de extraordinário, de irreal e de estranho – nessa Árvore só dor. Pus-me a vê-la tronco por tronco, depois as pernadas e os raminhos e enfim descobri perdido, quase sumido, um botão tão miúdo, tão ténue... Qualquer sopro do vento levá-lo-ia para sempre.
A noite estremecia despedaçada. Uma névoa viva, torrente luminosa, arrastando consigo no alvorecer o primeiro hálito dos montes e das águas acordadas, humedecia as arestas dos muros, o granito da cidade ainda em bloco, meia sumida na noite.