Os Pobres - Cap. 26: XXV - Natal dos pobres Pág. 144 / 158

A Morte passa. No buraco do telhado a estrela reluz, o nevão cai com um ruído das flores desfolhadas, e cada um cisma em alguma coisa de indeterminado e vago, de longínquo; em certa hora da vida, na mãe, num filho ausente, naquela morta que passou seus dias a sacrificar-se por nós...

– O lume apaga-se...

– Deitai-lhe canhotos.

O lume apaga-se e as sombras da noite, em revoadas, vêm escutar-nos atentas.

Os pobres são como os rios. Estancam a sede da terra, fazem inchar as raízes e crescer as árvores; acarretam; moem o pão nos moinhos. Ei-la a vida da terra. Todas as catedrais se construíram da sua dor; sem eles a vida pararia.

Natal dos pobres! natal dos pobres!... Porque é que criaturas misérrimas encontram ainda na sua gélida nudez horas para recordar e amar? Pobres repartem o seu pão; espezinhados dão-nos das suas lágrimas. Vinho quente! vinho quente e amargo, que sabe a aflição!

Chegam-se uns aos outros para se aquecerem. Nas enfermarias, nos sítios onde se sofre, os míseros e os doentes quedam-se muito tempo a cismar. Os pobres pensam que existem seres ainda mais pobres, lares desamparados, onde nem o lume se acende; cuidam numa velhinha, que, a essa mesma hora, cisma, abandonada, e sozinha, ao pé de brasas extintas no filho doente, no filho ausente... Há cabanas nuas, lares rotos, almas mais gélidas que o nevão.

As lágrimas que se choram e se não vêem são as melhores: caem sobre a alma.

Sofia sobe as escadas com uma caneca de vinho quente, para repartir com o Gebo. Na sua fisionomia há um cansaço enorme.

A chorar, misturando-lhe lágrimas, o velho, mais gordo e todo branco, bebe o azedo vinho quente das prostitutas. Depois abraçados soluçam na trapeira fria.

Fora não se ouve rumor: as coisas ingeridas escutam.





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