Ecce Homo - Cap. 3: Porque sou tão sagaz Pág. 39 / 115

Não poderá assacar-se-me em momento algum da minha vida uma atitude arrogante ou patética. O patético do gesto não pertence à grandeza; o que carece de imponência é falso… Cuidado com os homens impressionantes!

A vida decorreu para mim suave, e mais suave ainda quando de mim exigia o mais difícil. Quem me viu nos setenta dias deste Outono, em que, sem interrupção, escrevi coisas de primeira ordem, coisas tais que ninguém pode imitar - ou ensinar - na plena responsabilidade dos milénios que virão depois, não pôde assinalar o mínimo desequilíbrio, mas antes uma frescura e serenidade superabundantes, Nunca comi com mais prazer, nunca dormi melhor.

Não conheço outra maneira de ocupar-me dos grandes problemas do que o jogo: tal é, como condição de grandeza, o pressuposto essencial! A contensão, o rosto sombrio, o aspecto rígido, são objecções contra um homem e também contra a sua obra!... Não se devem ter nervos!... Também a incapacidade de viver solitário constitui objecção; eu, na verdade, sofri apenas «da multidão». Em idade extremamente juvenil, tinha sete anos, sabia já que nunca uma palavra podia ferir-me. Ninguém me viu nunca em tais circunstâncias magoado. Hoje, ainda, se para todos mostro serena afabilidade, mantenho sempre a mesma consideração para com os humildes: no que não há sequer grão de orgulho, de secreto desprezo. Quando desprezo, o desprezado logo o adivinha; pelo simples facto de existir, não mais, encho de turbação todos os que têm mau sangue nas veias... A minha fórmula de grandeza do homem é «amor fati»: não pretender ter nada diverso do que se tem, nada antes, nada depois, nada por toda a eternidade. A Necessidade não existe apenas para suportar-se - todo o idealismo é mentira em face da Necessidade - mas para que a amemos.





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