PARTEM OS TROIANOS
Depois da queda de Tróia e da destruição da c idade pelos gregos, Eneias e os seus companheiros refugiaram-se nas florestas do monte ida e lá permaneceram algum tempo. Conformados com a sorte amarga que o destino lhes reservara, resolveram construir uma esquadra de vinte navios e nela partir em busca de nova pátria.
No inicio do Verão, já tudo pronto, Anquises mandou levantar ferros e lá foram eles, mar fora, velas enfunadas ao vento, lançando um último olhar saudoso às costas da terra amada onde existira Tróia.
Depois de vários dias de viagem, aportaram numa região de vastos campos habitados pelos trácios e que outrora fora dominada pelo belicoso Licurgo. Ais Eneias lança as fundações duma cidade a que deu o nome de Eneida, começando a construir-lhe as fortificações.
Certo dia, estava ele na praia, oferecendo sacrifícios a sua mãe, a deusa Vénus, aos deuses protectores do inicio das coisas e ao próprio Júpiter, o supremo habitante do Olimpo, quando resolveu subir a uma colina próxima, de cume coberto de pequenas moitas. Aproximou-se de uma delas e tentou arrancar da terra um arbusto verde com cujos ramos pretendia cobrir os altares sagrados. Aconteceu então um prodígio tenebroso, que lhe fez gelar o sangue nas veias. Das raízes partidas da árvore arrancada escorreu sangue negro que empapou a terra, manchando-a com a sua podridão. Transido de pavor, Eneias, tentando explicação para o mistério, arrancou outro arbusto. Também das raízes deste escorreu sangue escuro. A sua imaginação trabalhava febrilmente. Invocando as ninfas campestres e o deus Marte para que levantassem o mau presságio, o troiano agarrou de novo um terceiro arbusto e, apoiando os joelhos na terra, tentou tirá-lo do solo. O prodígio dos prodígios! Ouviu-se então um gemido lacrimoso vindo do fundo de um sepulcro e chegou até ele uma voz que dizia:
— Eneias, Eneias, porque dilaceras um infeliz? Deixa em paz um morto e não manches as tuas mãos com o meu sangue. Sou o teu compatriota, Polidoro, aqui neste lugar por muitas lanças trespassado e morto. Foge destas costas ingratas e cruéis!