Cândido - Cap. 25: CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano Pág. 98 / 118

Cândido, vendo um Milton, perguntou-lhe se ele não considerava aquele autor um grande homem.

- Quem?! - exclamou Pococuranté. - Esse bárbaro que traz um comentário do primeiro capítulo do Génesis em dez livros de versos duros? Esse grosseiro imitador dos Gregos, que desfigura de tal maneira a criação que, enquanto Moisés representa o Eterno a criar o mundo pela palavra, ele faz tirar ao Messias um grande compasso de um armário do Céu para traçar a sua obra? Como poderia eu estimar quem estragou o Inferno e o Diabo do Tasso, quem mascara Lúcifer ora de sapo, ora de pigmeu, quem lhe faz respirar cem vezes as mesmas expressões, quem o faz disputar sobre teologia, quem, tomando a sério a invenção única das armas de fogo de Ariosto, põe os diabos a disparar tiros de canhão dentro dos próprios Céus? Nem eu nem ninguém na Itália pode gostar de todas estas tristes extravagâncias. O casamento do pecado e da morte e as serpentes que o pecado dá à luz fazem náuseas a todo o homem que tem alguma delicadeza de gosto. A longa descrição que ele faz de um hospital só pode agradar a um coveiro. Este poema obscuro, bizarro e repugnante sofreu críticas acerbas dos seus contemporâneos, e eu julgo-o hoje tal como ele foi julgado na sua pátria quando foi publicado. Além disso eu digo o que penso e não me importo que os outros pensem ou não como eu.

Cândido estava muito aflito com estas apreciações, porque respeitava Homero e amava um tanto Milton.

- Receio – disse ele baixinho a Martin - que este homem tenha apenas um soberano desprezo pelos nossos poetas alemães.

- Não haveria grande mal nisso - respondeu Martin.

- Oh, que homem superior - disse Cândido entre dentes -, que grande génio é este Pococuranté, nada lhe pode agradar.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113