Pareceu-me bonita assim, muito mais que vestida de amazona, calçada de duraque, e emplumada, qual a vi na romagem do S. João.
Voltaram os servos para o trabalho, e Tomásia veio sentar-se ao pé de mim debaixo de um coberto de colmo.
- Está fatigada? - disse-lhe eu!
- Agora estou! Vim para aqui fazer-lhe um migalho de companhia e depois torno lá. Hoje o pão há de ficar nas tulhas, custe o que custar.
- E deixa-me sozinho aqui?!
- Vossemecê, em se aborrecendo, vá para a casa, que lá está o pai e os tios. Vá jogar a bisca com os padres, que eles gostam muito. Sempre são!... Eu, se tivesse filhos, padre, Deus me perdoe, que não havia de ser nenhum!
- Porquê? Tem zanga dos padres?
- Agora tenho; os padres são a imagem de Deus; mas não fazem nada numa casa; dizem a sua missa, vão aos enterros e às festas, mas coisa de botarem a mão a uma sachola para tapar uma poça, ou cortar um agueiro, isso não é capaz! Olhe vossemecê, ali na minha casa quatro padres de uma assentada sem fazerem nada, a olharem uns prós outros e a lerem a gazeta de Lisboa... Eles aí vêm... é milagre saírem de casa a esta hora! Vêm cá pr’amor do Sr. Silvestre.
Chegam os quatro clérigos, e um deles vinha com a Nação em punho, explicando aos outros um relanço difícil do artigo de fundo.
Fui consultado acerca da passagem obscura, e o meu parecer esclareceu as dúvidas. Tomásia, enquanto eu falava uma linguagem para ela inapercebida, estava com os olhos postos em mim. Os padres louvaram a minha esperteza, e o mais velho, oráculo dos outros, disse:
- Ora o senhor, com esse talento que Deus lhe deu, devia ser realista!... É uma ingratidão não defender a religião dos nossos pais quem tanto deve à Providência.
Redargui que respeitava a religião dos nossos pais e que a política era uma coisa incidental na vida das nações, de todo o ponto estranho à religião.