Discutimos mansamente uma hora.
Tomásia fatigou-se logo de nos ouvir e foi trabalhar.
À hora da sesta fui sentar-me num escuro souto de castanheiros e meditei.
Estava o estômago no mais ativo da sua chilificação. Havia uma insólita claridade no meu espírito. Nenhum devaneio dos que arrombam poetas em ermos e sombras me perturbava o cozimento das pingues substâncias em que abundara o jantar. As minhas meditações eram pachorrentas, terra a terra, sem enlevos que me deslocassem da felicidade do momento para me transportarem ao passado, onde estava a saudade, ou ao futuro donde me podia estar mentindo a esperança.
Que a saudade, para além dos trinta anos, é uma enchente de lágrimas que desdobra o peito daqueles mesmos que se não sentem viver no coração.
E a esperança é uma virgem de encantos doidos, a qual vos não deixa gozar os encantos de outra virgem que vos alinda os bens presentes.
E a meditar assim adormeci, reclinado sobre uma moita de malmequeres e boninas.
Quando acordei tinha sobre a face um lenço de linho, branco de neve.
Enxuguei o suor, relanceei em derredor os olhos e vi, a distância de cem passos, Tomásia, sentada à beira de um tanque, coberto de ramagens de para, costurando e cantando a meia voz.
- Boas tardes, Sr. Silvestre! - disse ela, risonha.
- Ande lá, que se regalou de dormir; e, se não sou eu, as moscas e os mosquitos chupavam-lhe o sangue.
- Muito obrigado, menina.
- Menina! - disse ela. - Eu sou mulher, não sou menina.
Ergui-me e fui lavar a cara na bica do tanque. Tomásia tirou o seu avental de linho para eu me limpar. Sentei-me, depois, à sua beira, e vi que ela estava remendando uma camisa.
- Remenda o teu pano, e chegar-te-á ao ano; torna-o a remendar, e tornará a chegar - disse ela.