Estivemos silenciosos alguns segundos. Cortou Tomásia o silêncio, perguntando:
- Vai-se embora amanhã?
- Vou.
- Não gosta de estar connosco?
- Gosto; mas cada um de nós tem a sua casa.
- Isso é verdade... - disse ela, com a mão da agulha suspensa e os olhos fixos em qualquer coisa distante.
- É feliz, não é, Sra. Tomásia?
- Feliz é quem está no Céu. Diz o meu tio padre João que neste mundo ninguém é contente da sorte que tem.
- Que lhe falta a si? Não tem tudo o que deseja?
- Eu desejo pouco...
- Então que mais quer para ser feliz?
- Queria que o Sr. Silvestre se deixasse estar mais alguns dias por aqui; mas, se tem que fazer na sua casa, vá. Lembra-se quando estivemos, faz anos para a Semana Santa, nas Endoenças de Santo Amaro?
- Lembro.
- Pois olhe que nunca mais me esqueceu! Vossemecê lembra-se de me ver?
- Mal me recordo...
- Lá me parecia...
- Porquê? Tem razão para supor que eu não a devia lembrar?
- É de um modo de dizer... Nem se lembra que eu lhe dei duas cavacas em casa do Sr. Vigário?
- Ah!, agora me lembro... levava os cabelos louros com laços de fita, não levava?
- E vestido vermelho de cetim.
- Tal e qual. Que linda ia! Fiquei a pensar em si muitos dias...
- Mas esqueceu-se, e nem me conheceu agora. Uma rapariga em dez anos muda de cara; estou já velha...
- Não está sequer mudada, menina.
- E ele a dar-lhe!... não gosto que me chame menina.
Chame-me Tomásia.
Neste momento chegou o sargento-mor e disse com muito afável gesto:
- Ó rapariga, olha que os teus tios já lá estão perguntando se tu fugiste com o Sr. Silvestre.
- Estamos a tratar disso, meu pai; quer vossemecê fugir também connosco? - respondeu ela com muita graça e desembaraço.
- Pois vamos lá com Deus.