Dizia assim:
Os teus cabelos me prenderam,
E teus olhos me mataram;
Os teus lindos pés me fugiram,
Quando morta me deixaram.
Entre as mãos frias de neve
Um raminho me puseste;
Levaste as rosas e os cravos,
Deixaste murta e cipreste.
Entrei de surpresa na varando e disse à maviosa cantora:
- Quem lhe ensinou essa letra tão triste e bonita?
- Ai! - exclamou ela -, não pensei que estava aí...
Estas cantigas eram as de menina de Chaves.
- Quem era a menina de Chaves?
O padre tomou à sua conta a resposta, e disse:
- Era a namorada de um meu condiscípulo no Seminário de Braga, que morreu de amores por ele no Convento de Sant’Ana, e ele também morreu por ela. Eram ambos de Chaves. Eu fiquei com o papelinho em que a coitada escreveu as coplas que a minha sobrinha canta a chorar.
- E está a chorar! - disse eu, vendo-lhe nos olhos espelhado um raio da Lua.
- Não que eu - disse Tomásia entre risonha e lagrimosa - tenho uma pena da criatura!...
- Dela somente? - interrompi.
- E dele, que lá foi procurá-la ao outro mundo.
As lágrimas desta mulher que nome têm se não são a sublime poesia da ternura, que eu ainda agora encontro pela primeira vez!..., disse eu entre mim, de modo que o estômago me não ouvisse. E as cinzas, que foram coração, estremeceram levemente.
***
Ao amanhecer do dia seguinte ouvi a voz do sargento-mor, que passeava no pomar contíguo à casa.
Desci ao pomar e perguntei-lhe se tinha resolvido seriamente dar-me a sua filha.
O velho encostou o queixo às mãos, que assentavam sobre uma bengala alta de cana encostada em marfim, e disse:
- Eu tenho uma só palavra: sou o sargento-mor de Soutelo, cavaleiro professo na Ordem de Cristo desde 1812 e cavaleiro da Ordem da Verdade, filha de Cristo, desde que me conheço.