Era o instinto das sensações agradáveis, mas honestas, que ensinou a minha mulher o segredo do máximo prazer de um beijo.
Estava o almoço na mesa.
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O EDITOR AO RESPEITÁVEL PÚBLICO
Os autógrafos do meu amigo Silvestre da Silva carecem de nexo e ordem desde a data do seu casamento. Salta logo aos olhos que o ilustre autobiógrafo, chegado ao macro da bem-aventurança, quedou-se a repousar da peregrinação - Deus sabe quão penosa! - que trouxera pelas precipitosas veredas do seu passado.
Vejo aqui muito fragmento de obras bosquejadas, sobre assuntos de higiene caseira. Os mais aproveitáveis tendem a mostrar que a deusa da fortuna é a predilecta amiga dos que submetem a vida ao regime suave da matéria e só exercitam seu espírito para corrigir-lhe as demasias. Estes trechos soltos acho-os enfaixados sob o título: A Felicidade pelo Estômago.
Há outros manuscritos que encarecem o egoísmo, mas o racional egoísmo de Bentham. É esta uma das máximas: “O homem só vive bem com os outros quando vive mais para si”. E neste ponto de sentenças podia eu mostrar, se tivesse paciência para copiá-las, que Silvestre da Silva, se cultivasse o género, poderia ser um La Rochefoucauld fora de Soutelo.
Pospondo como coisas da segunda ordem as manifestações intelectuais de Silvestre, vou tentar, auxiliado pelos apontamentos dele, e notícias que alcancei, organizar a sucessão dos factos posteriores ao casamento.
Silvestre foi eleito presidente da Câmara de Carrazedo de Montenegro, que assim se denomina o conselho onde a ventura lhe bafeja o outono da vida. Estreou-se nas funções municipais mandando construir uma porca nova para o sino da igreja e compor uma estrada descalçada que lhe passava à porta; depois propôs em sessão que se pedisse ao Governo uma estrada do Porto a Chaves, com um ramal por Soutelo.