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Tinha-se achegado de nós o sujeito que lhe dava o braço à entrada. No rosto de Paula conheci o receio de ter sido ouvida pelo cavalheiro, que a olhava com desconfiança.
Nunca mais tive a oportunidade de lhe falar. Às três horas, saiu Paula, e eu fui para o meu quarto devorar o restante da noite em repetir-me as palavras dela com tanto afeto que o próprio galicismo já me soava aos ouvidos como as vernaculidades do meu querido Castilho.
Eu tinha à mão a Primavera daquele autor. Abria-a ao acaso, quando os raios do sol, coados pelo transparente verde, me iluminavam alegremente o quarto.
Em pouco está transfigurar-se o espírito do homem. Com a luz parece que entraram as esperanças: era o anjo delas que descera nos raios do sol. Abri à ventura a Primavera, e saíram-me como prenúncios e maiores alegrias estes versos:
Sobre as aras de Amor todas oferecem:
Os ais do adorador nenhuma ofendem,
Comprazem-se de ouvir que as chamam belas...
Se nos ouvem cruéis, se esquivas fogem,
É porque insana lei de atroz costume
Lhes ordena o fugir...
A mãe universal, ou cedo ou tarde
Vence, triunfa, e no triunfo leva
O sexo encantador já manietado.
Todas opões sabida resistência;
Mas cumpre não ceder: por nós combatem
Seu mesmo coração, e a natureza...
Fui lendo os dulcíssimos preceitos com que o mimoso poeta aconselha os amantes desditosos, e, num arraiar de alegria louca, dei nestes versos:
Começaremos ofertando às ninfas
Sobre altares campestres, levantados
Das árvores à sombra, ao pé das fontes,
Ou nas grutas do fresco, ou sobre outeiros,
Festões, grinaldas, passarinhos, frutos
E capelas de búzios e de conchas...
O poeta ensina, nesta passagem, a amar as ninfas; e eu, afeito à nomenclatura da escola arcadiana, pensei que ninfa era um epíteto genérico para toda a mulher que se ama.