Ecce Homo - Cap. 2: Porque sou tão sábio Pág. 15 / 115

Quem conhece toda a seriedade da minha filosofia na luta contra os sentimentos de vingança e de ódio, perseguindo estes sentimentos na própria doutrina do «livre arbítrio» - a luta contra o cristianismo nada mais é que um episódio de tal luta - compreenderá por que motivo quero aqui pôr a claro por completo a minha atitude pessoal, a segurança do meu instinto na prática. Nos meus momentos de decadência preservava-me destes sentimentos por os considerar nocivos; desde o momento em que a vida nascia em mim pujante e sobranceira, logo mos interditava como abaixo de mim. Esse «fatalismo russo», de que falei, manifestou-se-me pelo facto de que me ative fortemente, em anos sucessivos, a situações, lugares, domicílios, relações quase insuportáveis, quando por acaso me foram dadas. Resultava sempre melhor conseguir adaptar-me a elas do que modificá-las ou demorar-me sequer na intenção de as modificar. Odiava eu então de morte tudo quanto me perturbava este fatalismo e dele pretendia despertar-me bruscamente: na verdade, havia nisso perigo mortal. Considerar-se a si próprio uma fatalidade, não o querer ser «outro» - eis, em tais circunstâncias, a grande razão de ser.

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A guerra é outra coisa. Sou guerreiro por natureza. Atacar faz parte dos meus instintos. Saber ser inimigo, ser inimigo, leva já a supor uma natureza vigorosa, e é, de qualquer modo, condição> implícita a toda a natureza vigorosa. Tem esta sempre necessidade de resistência e não pode por conseguinte deixar de procurá-la: o pathos agressivo é tão inerente à força como o sentimento de vingança e ódio o é à fraqueza. A mulher, por exemplo, é rancorosa: está isso na sua fraqueza, tanto como a sensibilidade perante o sofrimento alheio.

A força do agressor pode medir-se pela qualidade do adversário que suscita; todo o progresso se revela em buscar o adversário ou o problema considerável, pois o filósofo belicoso desafia os problemas.





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