Ecce Homo - Cap. 2: Porque sou tão sábio Pág. 6 / 115

completa claridade e serenidade, e até exuberância de espírito que a referida obra reflecte, harmonizam-se em -, mim não, só com a mais profunda debilidade fisiológica, mas ainda com o agudo sentido do sofrimento. No meio do martírio que me causavam ininterruptas dores de cabeça durante três dias com vómitos violentos mantinha uma lucidez dialéctica excepcional e meditava friamente problemas para os quais em melhores condições de saúde me teria achado desprovido de subtileza e de frieza; sem a indispensável audácia do alpinista. Os meus leitores sabem, decerto, em que medida considero a dialéctica um sintoma de decadência, por exemplo, no caso mais famoso: o de Sócrates.

Todas as perturbações doentias do intelecto e até aquela espécie de torpor que é, consequência da febre; permaneceram até agora completamente estranhas e o meu saber, e sobre sua natureza e graus toda a informação que tenho proveio dó estudo. O meu sangue corre lentamente. Ninguém pôde nunca verificar febre em mim. Um médico que me tratou muito tempo como doente dos nervos, acabou por me dizer: «Não! Nada há nos seus nervos; eu é que sou nevropata». Há em mim, sem dúvida, e sem que seja possível situá-la, qualquer degenerescência local; não tenho enfermidade alguma do estômago com o carácter de lesão orgânica, embora como consequência do esgotamento geral o meu sistema gástrico tenha enfraquecido profundamente. A própria doença dos olhos, que por vezes se aproxima perigosamente da cegueira, é só efeito, não causa; de tal modo, que quando a minha energia vital aumenta, aumenta de novo o meu poder visual.

Uma larga, muito larga série de anos significa para mim a cura; mas significa também, infelizmente, recaída, decadência, decadência periódica e inevitável.





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