Quando, finalmente, o volume pronto me veio às mãos -com o profundo espanto do doente que eu tinha em mim - mandei, entre outros, dois exemplares para Bayreuth. Por um destes milagrosos acasos chegou-me naquela mesma data um exemplar do libreto do Parsifal, com uma dedicatória de Wagner: «Ao seu querido amigo Frederico Nietzsche, Ricardo Wagner, conselheiro eclesiástico». Os dois livros tinham-se cruzado no caminho e foi como se eu ouvisse um ruído fatídico. Dir-se-ia o tinir de duas espadas que se cruzam... De qualquer modo ambos sentimos assim: e silenciámos ambos. Foi no momento em que apareceram as primeiras «Folhas de Bayreuth». Compreendi então que o grande momento chegava. Coisa inacreditável! Wagner tornara-se beato...
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Todo o livro assinala o que então pensava de mim próprio (1876), com que segurança prodigiosa estava eu no sentido da minha obra e do que esta tem de universal. Entretanto, com aquela astúcia em mim instintiva, evitei outra vez a primeira pessoa, e agora não para pôr Schopenhauer e Wagner, mas para conceder um fulgor de glória histórica a um dos meus amigos, o excelente Dr, Paulo Ree... Verdade seja que era um bicho demasiado perspicaz para que... Outros foram muito menos perspicazes: tenho as esperanças perdidas quanto àqueles meus leitores, como por exemplo os professores alemães típicos, que supunham a partir deste passo, poder interpretar todo o livro como realização superior...
Na verdade, estava em contradição com cinco ou seis proposições do meu amigo. Leia-se a tal propósito o prefácio à Genealogia da Moral.
O passo a que me refiro diz:
«Qual é então o princípio a que chegou um dos pensadores mais corajosos e mais frios, o autor do livro Sobre a origem dos sentimentos