Ecce Homo - Cap. 10: Assim falou Zaratustra Pág. 77 / 115

A esse período intervalar pertence também a composição daquele Hino à Vida (com coro misto e orquestra) cuja partitura apareceu há dois anos na casa E. W. Fritsch, em Leipzig: sintoma não sem significado do meu estado de espírito nesse ano, em que o pathos afirmativo por excelência, por mim entendido como pathos trágico me animava em grau supremo. Dia virá em que cantarão esse hino em minha memória.

Não me pertence a mim a letra - e menciono-o intencionalmente porque houve um erro neste ponto: ela deve-se à assombrosa inspiração de uma jovem senhora com a qual eu estava então em relações de afectuosa amizade, a senhora Lou de Salomé.

Para quem for capaz de apreender todo o sentido dos últimos versos deste poema, fácil será adivinhar por que motivo tanto o estimei e admirei: têm grandeza. A dor não aparece ali como objecção contra a vida: «Se já não tens alegria para me dar, deixa lá, tens ainda a tua dor!» Talvez neste passo a minha música não careça também de grandeza.

Passei o Inverno seguinte na calma praia de Rapallo, perto de Génova, que descreve uma curva graciosa entre Chiavari e o cabo de Porto Fino. Não se pode dizer que gozasse então de boa saúde; o Inverno decorria frio e extremamente chuvoso. O pequeno «albergo», ao qual me acolhera, ficava perto do mar, de tal maneira que o ruído Idas ondas não me deixava conciliar o sono. Tudo condições opostas às que me convinham. No entanto, e para demonstrar a minha ideia de que tudo quanto acontece, acontece «apesar», foi durante esse Inverno e em circunstâncias tão precárias, que o Zaratustra surgiu.

Subia pela manhã a admirável estrada de Zoagli pela orla do pinheiral e via estender-se ante mim o mar, para sul, até perder de vista; de tarde, contornava a baía, desde Santa Margarida até Porto Fino.





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