Quando o companheiro lhe respondeu afirmativamente, prosseguiu:
- Está associada na minha memória a um episódio muito estranho.
- Deveras? - perguntou Utterson num tom de voz ligeiramente alterado. - E que história é essa?
- Bem, foi assim - explicou o Sr. Enfield: - Certo dia, por volta das três horas de uma escura madrugada de Inverno, estava eu de regresso a casa, vindo de um sítio nos confins do mundo, quando tive de atravessar uma parte da cidade onde, literalmente, nada mais havia do que candeeiros. Toda a gente dormia e, calcorreando rua após rua - todas iluminadas como se estivessem preparadas para a passagem de uma procissão e vazias como uma igreja deserta -, fui acometido por aquele estado de espírito em que um homem fica receptivo a todos os sons e começa a desejar a presença de um polícia. De repente, vi dois vultos: um homem de baixa estatura que seguia a passos largos para leste, e uma rapariga que devia ter uns oito a dez anos e corria o mais que podia numa rua transversal. Pois bem, como é natural, ao chegarem à esquina, entrechocaram-se. Foi então que aconteceu uma coisa horrível: o homem seguiu calmamente o seu caminho, passando por cima do corpo da rapariga e deixando-a a gritar no chão. Contado assim, o episódio não parece muito insólito, mas, presenciado, foi deplorável. Não parecia um homem; assemelhava-se mais a um Juggernaut, Olhei em volta, soltei um grito de alerta e corri no encalço do homem, consegui agarrá-lo pelo colarinho e trouxe-o novamente para o local onde já se aglomerara um grupo de pessoas em redor da criança, que não parava de gritar.