Robinson Crusoe - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 151 / 241

Esteve comigo vinte e seis anos, ignorando quantos viveria depois, pois ouvi dizer no Brasil que os ditos animais vivem cerca de um século. O meu cão foi um amigo muito agradável e fiel durante dezasseis anos, após os quais morreu de velhice. Os gatos tinham-se multiplicado de tal modo que me vira obrigado a matá-los a tiro, para impedir que me devorassem tudo, conforme já disse. Quando morreram os primeiros que tinha salvo no buque, vi-me na necessidade de afugentar os restantes, não lhes dando de comer, e foram parar ao bosque, chegando a tornar-se selvagens, exceptuando dois ou três favoritos, aos quais tivera o cuidado de criar desde' pequeninos, e que formavam parte da minha família. Além disso, tinha sempre à minha volta duas ou três lamas que estavam habituadas a comer à mão, e outros dois papagaios que pronunciavam o meu nome, mas não com a perfeição de «Poll»; é certo que não dedicara tanto trabalho a ensiná-los. Também tinha domesticado algumas aves aquáticas, cujo nome ignorava, as quais apanhara na praia, e depois tinha-lhes cortado as asas; faziam os ninhos e punham os ovos na espessura do bosque formado pelas estacas que eu plantara, e que eram já corpulentas árvores, o que me servia muito bem. Em suma, repito que teria permanecido extremamente satisfeito naquela vida se tivesse podido dominar o medo que os selvagens me inspiravam.

Mas estava escrito que as coisas ocorressem doutro modo, e talvez não seja inútil para todos os que leiam a minha história fazer-lhes observar quantas vezes no decurso da nossa vida sucede que o mal que procuramos evitar, e que nos parece tão terrível, acaba, quando já o temos em cima, por ser o único meio de salvação, através do qual podemos levantar-nos da aflição em que caímos. Seria capaz de citar muitos exemplos a tal respeito no transcurso da minha vida extraordinária, mas em nada foi isso tão perceptível como nas circunstâncias dos meus últimos anos de residência solitária nesta ilha.