Ecce Homo - Cap. 2: Porque sou tão sábio Pág. 14 / 115

Não tomar mais remédios, renunciar a absorver seja o que for, não reagir em caso algum... A grande razão deste fatalismo, que não é sempre, e só, valentia perante a morte, deste fatalismo conservador da vida na sua contingência mais perigosa, é o abaixamento das funções do metabolismo, o seu retardamento, uma espécie de desejo do sono hibernal, Alguns passos mais nesta dógica e ter-se-á o faquir que dorme semanas num esquife.

Visto que o homem se desgastaria rapidamente se reagisse, não reage, eis a lógica. E com nada se consome ele mais do que com os afectos próprios do ressentimento. O despeito, a susceptibilidade doentia, a impotência em vingar-se, a inveja, o ímpeto do ódio, são venenos terríveis, constituindo por certo para o ser esgotado os meios mais perigosos de reagir: disto advém acelerado desgaste da energia nervosa, uma recrudescência das secreções nocivas, por exemplo da bílis no estômago. O ressentimento, que é em sumo grau prejudicial ao doente, está-lhe contra-indicado: infelizmente é sua inclinação mais natural. O conceito é de Buda, fisiologista profundo. A sua «religião», que antes devia chamar-se «higiene», para não a confundir com coisa tão lamentável como é o cristianismo, faz depender a sua eficácia da vitória sobre o ressentimento. Libertar a alma do ressentimento, é o primeiro passo para a cura. «Não é pela inimizade que se alcança o fim da inimizade; é pela amizade que se alcança o fim da inimizade»: isto constitui o princípio da doutrina - é preceito não moralístico mas higiénico.

Só aos fracos é nocivo o ressentimento que tem origem na fraqueza. Nos outros casos, ali onde se nos depara uma natureza pletórica, é sentimento de superabundância, sentimento que é o ponto de apoio do homem forte.





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