E quanto ao futuro? Talvez viesse a verificar-se que os dois últimos anos não lhe tinham deixado muitas mazelas. Representavam apenas um hiato, um pequeno desvio na sua carreira. Com notável rapidez, agora que dera o primeiro passo, desenvolveria a cínica e rígida mentalidade dos negócios. Esqueceria os desgostos do passado, deixaria de se insurgir contra a tirania do dinheiro - cessaria mesmo de ter a consciência dele -, de sentir indignação perante os anúncios do Bovex e Flocos Truweet.
Venderia a alma tão totalmente, que esqueceria por completo que alguma vez lhe pertencera. Casaria, arrumar-se-ia, prosperaria com moderação, empurraria um carrinho de bebé, adquiriria um chalé, uma telefonia e uma aspidistra. Seria um cidadão respeitador da lei como qualquer outro - um soldado do exército dos passageiros dos transportes públicos.
Abrandou um pouco o andamento. Tinha trinta anos e havia vestígios grisalhos no seu cabelo, mas dominava-o a curiosa sensação de que só agora atingira o estado adulto. Acudia-lhe ao espírito que se limitava a repetir o destino de todos os seres humanos. Toda a gente se revolta contra o código do dinheiro e todos terminam, mais cedo ou mais tarde, por se lhe render. Ele mantivera simplesmente' a rebelião por mais algum tempo do que a maioria. E as suas diligências tinham redundado num malogro total. Perguntou-se se todos os anacoretas nas suas desoladoras celas ansiavam secretamente por regressar ao mundo dos homens. Talvez houvesse alguns a quem tal não sucedia. Alguém dissera que o mundo moderno só é habitado por santos e patifes.