No subsolo, no subsolo! Em baixo, no suave e seguro ventre da Terra, onde não se obtêm nem perdem empregos, não há familiares ou amigos para nos incomodar, nem esperança, medo, ambição, honra e dever - nenhum importuno de qualquer espécie. Era aí que ele desejava estar.
No entanto, não era a morte, a verdadeira morte física, que pretendia. Tratava-se de uma sensação estranha que o acompanhava desde a manhã em que acordara na cela da Polícia. A disposição hedionda e repugnante que surge após a embriaguez parecia ter-se tornado um hábito. Aquela noite de bebedeira assinalara um período na sua vida. Arrastara-o para baixo com singular brusquidão. Dantes, lutara contra o código-dinheiro, sem todavia se desviar dos abalados resíduos de decência. Porém, agora, era precisamente da decência que queria escapar-se. Queria ir para baixo, bem para o fundo, num, mundo em que a decência carecia de importância; cortar os laços com o amor-próprio, submergir-se - afundar-se, como Rosemary dissera. Achava-se tudo ligado na sua mente com o pensamento de estar no subsolo. Gostava de pensar nas pessoas perdidas, nas pessoas subterrâneas - vagabundos, pedintes, criminosos, prostitutas. É num bom mundo que vivem, lá em baixo, nos seus abafados albergues e hospícios.
O facto tinha um certo interesse para Gordon, porque a tinta de um dos cavalos começava a desprender-se e assumia gradualmente uma tonalidade roxo-acastanhada. Na maior parte do tempo, quando não surgiam clientes, entretinha-se a ler o lixo com encadernação amarela que a livraria continha. Livros do género que se podia devorar à razão de um por hora. E faziam parte do tipo de literatura que agora preferia. Tratava-se na verdade de «literatura de evasão», que predominava nas livrarias de dois pence. Nunca se concebeu nada que exija menos esforço da inteligência. Em comparação, até uma película cinematográfica requer alguma concentração.