Os Pobres - Cap. 24: XXIII - A Árvore Pág. 135 / 158

Cada qual nasce para o que nasce. Há-os, por exemplo, que chegada a sua hora matam. Pensas que é para roubar? Matam uma criança que nunca lhes fez mal.

– De que serve fazer mal?

– Em primeiro lugar é fazer mal, e quando a gente nasce para fazer mal, é sempre bom fazê-lo. Tenho horas em que tudo em mim – tudo! – me prega que faça mal e as minhas mãos procuram logo quem matar. Às vezes sonho que mato. É sinal que a minha hora ainda não soou.

– E Deus?

– Deus foi que me criou, Deus não se importa.

Que tenho eu que fazer neste mundo? Só mal. É porque Deus me criou para o mal.

– Resiste.

– Quando a gente é criada para isto, não há nada que nos impeça... Uma criança...

– Antes viver com um sonho, ignorando tudo.

– Mas viver!... Viver com toda a força! Tu não vives. Morrer sem ter vivido!... Que sabes tu da fome? E da desgraça? Que sabes tu de ser perseguido e de fugir?

E do minuto em que se mata?... Que sabes tu de seres tu? Há instantes em que se vive uma vida inteira. Para se viver é preciso cumprir-se um fado, com todo o nosso ser, é preciso a gente sentir-se só contra todos e no entanto prosseguir o seu destino... Andar inda que esmague. Para onde? Ir para o mal? Que importa!...

– Mas o mal...

– Que sabes tu do mal?

– Nada.

– O mal sabe... Ter as mãos ensanguentadas e esmigalhar nas mãos!... Fugir de noite com os pés nas pedras, perseguido, sem poder respirar; encher depois o peito, com o coração a estalar escondido num canto negro ou estender-se a gente no chão e sentir na boca o travor da terra!... Não respirar e ter a noite por amiga!... A gente poder fazer chorar! Eu ter entre as mãos uma vida e vê-la finar-se!...

– E eu que tinha pena de ti!...

O Gabiru reflecte. A noite é espantosa.





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