Morremos à fome. 
– É o mesmo, mulher, é o mesmo. Paciência. 
– O pior é de nós, de mim e da pequena. 
– Pois é o que me aflige, que por mim quem me dera morrer! 
– Não fosses tolo! olha os teus amigos como trepam. 
– O mulher, mas que hei-de eu fazer? Tu não me dirás o que hei-de fazer? 
– Roubá-lo! roubá-lo!... 
Às vezes esqueciam-se e ainda palravam em torno duma esperança, a qual, agora nascida, logo a desgraça calcava. A mais humilde poeira de ilusão bastava para que todos três, gelados pela desventura, se sentassem na  enxerga, prontos a edificar os mais altos castelos e esquecidos de tudo. Só a filha sofria em silêncio, magra e com um sorriso tão triste que lembrava certas horas em que há sol e chuva misturados. E como o Gebo lhe queria! Pelo seu destino que seria amargo, e por ser o único ser no globo que lhe não dizia más palavras. 
Lá ia indo pela vida fora, coçado e com um ar de aflição que fazia rir. Parecia amachucado: as marcas dos encontrões nunca mais lhe saíam. 
A mulher passava os seus dias numa luta desesperada com a desgraça, arrancando-lhe os últimos trapos, disputando-os um a um até vê-los desfeitos. Ao fim do dia ouviam-se os passos vagarosos do velho nas escadas e a sua respiração – anh! anh! –sufocada. 
– Aí vem ele... – murmurava. 
O Gebo entrava e ela logo, sôfrega, morta por desabafar o que todo o dia ruminara: 
– Até que vieste, homem! E então? Conta. Então há alguma esperança? 
– Não há nada, mulher. 
E sentava-se arrasado. 
– Também, ninguém faz caso de ti. Que és tu? 
Sabes o que tu és? 
– Eu não, o quê? 
– Um ente inútil. Não há ninguém que se não ria de ti, das tuas desgraças, das tolices que tens feito... Que é do dinheiro que tanto nos custou a poupar? 
– Eu sei lá agora do dinheiro! Não falemos mais  nisso.