.. O que lá vai, lá vai. 
– Pois é o que tu queres... Mas hei-de falar, hás-de-me ouvir. Deste cabo de tudo, davas dinheiro a toda a gente... Tinhas-me a mim, tinhas a pequena. 
Reparasses, era a tua obrigação. 
– Ó mulher, ora tu que todos os dias vens com a mesma seca, Não me basta a minha aflição... De que serve isso agora? 
– De que serve? Serve de muito! 
À noite, à luz do petróleo, o Gebo fazia escritas com um cobertor pelos ombros e as mãos geladas de frio. A filha, sumida na sombra, compunha-lhe a roupa, e a mulher ralhava, passeando na sala. Batia a luz do candeeiro na cara oleosa do Gebo, no nariz enorme, nos seus olhos tristes, e, do outro lado da mesa, só se viam iluminadas as mãos de Sofia, toda a noite trabalhando sem ruído e sem descanso... 
– Já tive uma letra tão linda e agora... Os desgostos cansam a gente. 
– É de ti! é de ti! Outros têm penas, desgostos, caem e tornam a levantar-se... – dizia-lhe a mulher. 
– Têm sorte, é o que é. Para tudo é preciso sorte. – E curvado sobre os livros contando, murmurava mais baixo: 
– ...E vão sete – ... 
– Sorte! sorte! A culpa é tua que não tens energia nenhuma. Procura! Deixas-te ficar espapaçado para aí... 
Tu o que queres é comer e dormir. 
– Ó mulher!... – E erguia o carão aflito, onde batia a claridade de chapa. Viam-se-lhe os olhos aguados. – O mulher, a gente também perde as forças... Sempre a desgraça! sempre a desgraça!... 
– Tudo nos corre torto! 
– Mas... 
– Tudo! Deixa-me!... 
E desatava a chorar. Então o Gebo, aflito, a mão curta e gorda ronronando no papel, mentia para lhe dar ânimo. 
– Qualquer dia entro aí num negócio, tu verás... 
Não te aflijas. – E vão cinco... – Também há-de chegar o nosso S. Miguel. A desgraça há-de-se cansar de nos perseguir.