O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 76 / 102

Nasci no ano de 18..., herdeiro de uma grande fortuna e dotado de excelentes qualidades, naturalmente inclinado para o trabalho, apreciador do respeito dos sábios e dos bons homens que existem entre os meus semelhantes e, por conseguinte, como se poderia supor, com todas as garantias de um futuro honroso e distinto. E, na verdade, o pior dos meus defeitos foi uma certa leviandade impaciente, que tem constituído a felicidade de muitos, mas que verifiquei ser de difícil conciliação com o meu desejo imperioso de manter a cabeça erguida, pelo que passei a ostentar perante o público um semblante mais sisudo do que é vulgar. Daí resultou que comecei a ocultar os meus prazeres, e, quando atingi a idade das reflexões, olhando à minha volta e vendo que o meu progresso e a minha posição no mundo ganhavam solidez, já me encontrava comprometido com uma profunda duplicidade de vida. Muitos homens ter-se-iam gabado das irregularidades de que me culpava; mas na perspectiva dos elevados padrões que me impusera, olhava-as e ocultava-as com uma sensação de vergonha quase mórbida. Por conseguinte, mais do que qualquer degradação particular dos meus erros, foi a exigente natureza das minhas aspirações que fez de mim aquilo que fui e que, com um fosso ainda mais profundo do que na maioria dos homens, separou em mim os territórios do bem e do mal que dividem e constituem a duplicidade da natureza humana. Neste caso, fui levado a reflectir profunda e inveteradamente sobre essa dura lei da vida, que está na origem da religião e que é uma das mais abundantes fontes de angústia.





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