Cândido - Cap. 8: CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes Pág. 23 / 118

CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes

- Estava deitada na minha cama e dormia profundamente, quando aprouve ao Céu enviar os Búlgaros ao nosso belo castelo de Thunder-ten-tronckh. Degolaram meu pai e meu irmão e cortaram minha mãe aos bocados. Um búlgaro enorme, de seis pés de altura, vendo que eu tinha perdido os sentidos com tal espectáculo, apressou-se a violar-me. A dor fez-me voltar a mim, e gritei, debati-me, mordi, arranhei, tentei arrancar os olhos ao búlgaro, sem saber que tudo quanto se passava no castelo de meu pai era uma coisa trivial. O bruto deu-me uma navalhada na nádega esquerda, de que tenho ainda a marca.

- Espero vê-la ainda - disse o ingénuo Cândido.

- Vê-la-eis - disse Cunegundes. - Mas continuemos.

- Então continuai - retorquiu Cândido.

Ela retomou assim o fio da sua história:

- Um capitão búlgaro entrou, viu-me toda cheia de sangue, e o soldado pareceu não dar por ele. O capitão irritou-se com a falta de respeito que aquele bruto lhe testemunhava e matou-o sobre o meu corpo. Em seguida fez-me tratar e levou-me como prisioneira de guerra para o seu quartel. Passei a lavar-lhe as poucas camisas que possuía e fazia-lhe a comida. É preciso confessar-vos que ele me achava muito linda, e não vos negarei que ele era bem feito e tinha a pele branca e macia. Possuía, porém, pouco espírito, pouca filosofia. Via-se bem que não tinha sido educado pelo Dr. Pangloss. Ao fim de três meses, tendo perdido todo o dinheiro e tendo-se aborrecido de mim, vendeu-me a um judeu chamado D. Issacar, que traficava em Holanda e Portugal e gostava muito de mulheres. Este judeu apaixonou-se por mim, mas não conseguiu vencer a minha resistência. Defendi-me - melhor dele que do soldado búlgaro.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113