Cândido - Cap. 11: CAPÍTULO XI - História da velha Pág. 34 / 118

Era um negro abominável, que, ainda por cima, julgava dar-me grande honra ao fazê-lo. Certamente, seria preciso que a princesa de Palestrina e eu fôssemos muito fortes para podermos resistir a tudo quanto sofremos até chegarmos a Marrocos. Mas passemos adiante; são coisas tão vulgares que não vale a pena falar delas.

«Marrocos nadava em sangue quando aí chegámos. Cada um dos cinquenta filhos do imperador Mulei Ismael tinha o seu partido, o que ocasionava, com efeito, cinquenta guerras civis, de negros contra negros, de negros contra mestiços, de mestiços contra mestiços, de mulatos contra mulatos. Era uma carnificina constante em toda a extensão do império.

«Mal desembarcámos, logo os negros de uma facção contrária à do nosso corsário apareceram para lhe tirar a presa. Nós eramos, depois dos diamantes e do ouro, o que havia de mais precioso. Fui então testemunha de um combate como nunca poderíeis ver nos climas da Europa. Os povos setentrionais não têm o sangue bastante ardente. Não são tão sensuais como os povos da África o são normalmente. Os Europeus parecem ter leite nas veias, enquanto o que corre nas veias dos habitantes do monte Atlas e dos seus vizinhos parece ser vitríolo ou mesmo fogo.

«Combateu-se com o furor dos leões, dos tigres e das serpentes do país, para se saber a quem iríamos pertencer. Um mouro agarra minha mãe pelo braço direito, o lugar-tenente do meu capitão segura-a pelo esquerdo, outro soldado mouro agarra-a por uma perna e um dos piratas pela outra. As nossas raparigas vêem-se quase todas num momento agarradas por quatro soldados simultaneamente. O meu capitão conservava-me escondida atrás dele. Com a cimitarra na mão, matava todos os que se atreviam a enfrentá-lo.





Os capítulos deste livro

CAPÍTULO I - Como Cândido foi educado num belo castelo e porque dele foi expulso 1 CAPÍTULO II - O que aconteceu a Cândido entre os Búlgaros 4 CAPÍTULO III - Como Cândido se livrou dos Búlgaros e o que lhe aconteceu 7 CAPÍTULO IV - Como Cândido encontrou o seu antigo mestre de filosofia, o Dr. Pangloss, e o que lhe aconteceu 10 CAPÍTULO V - Tempestade, naufrágio, tremor de terra, e o que aconteceu ao Dr. Pangloss, a Cândido e ao anabaptista Tiago 14 CAPÍTULO VI - Como se fez um belo auto-de-fé para impedir os tremores de terra e como Cândido foi açoitado 18 CAPÍTULO VII - Como uma velha cuidou de Cândido e ele encontrou aquela que amava 20 CAPÍTULO VIII - História de Cunegundes 23 CAPÍTULO IX - O que aconteceu a Cunegundes, a Cândido, ao inquisidor-mor e ao judeu 27 CAPÍTULO X - Em que angústia Cândido, Cunegundes e a velha chegam a Cádis e como embarcaram 29 CAPÍTULO XI - História da velha 32 CAPÍTULO XII - Continuação da história das desgraças da velha 36 CAPÍTULO XIII - Como Cândido foi obrigado a separar-se da bela Cunegundes e da velha 40 CAPÍTULO XIV - Como Cândido e Cacambo foram recebidos entre os jesuítas do Paraguai 43 CAPÍTULO XV - Como Cândido matou o irmão da sua querida Cunegundes 47 CAPÍTULO XVI - O que aconteceu aos dois viajantes com duas raparigas, dois macacos e os selvagens chamados Orelhões 50 CAPÍTULO XVII - Chegada de Cândido e do seu criado ao país do Eldorado e o que aí Viram 54 CAPÍTULO XVIII - O que viram no país do Eldorado 58 CAPÍTULO XIX - O que lhes aconteceu em Suriname e como Cândido conheceu Martin 64 CAPÍTULO XX - O que aconteceu no mar a Cândido e a Martin 70 CAPÍTULO XXI - Cândido e Martin aproximam-se das costas de França e filosofam 73 CAPÍTULO XXII - O que aconteceu em França a Cândido e a Martin 75 CAPÍTULO XXIII - Cândido e Martin dirigem-se para as costas de Inglaterra e o que por lá vêem 87 CAPÍTULO XXIV - De Paquette e do Irmão Giroflée 89 CAPÍTULO XXV - Visita ao Sr. Pococuranté, nobre veneziano 94 CAPÍTULO XXVI - De uma ceia que Cândido e Martin tiveram com seis estrangeiros e quem eles eram 100 CAPÍTULO XXVII - Viagem de Cândido para Constantinopla 104 CAPÍTULO XXVIII - O que aconteceu a Cândido, Cunegundes, Pangloss, Martin, etc. 108 CAPÍTULO XXIX - Como Cândido reencontrou Cunegundes e a velha 111 CAPÍTULO XXX – Conclusão 113