Ecce Homo - Cap. 5: A Origem da Tragédia Pág. 54 / 115

Como eu me colocara com estas duas descobertas acima da lamentável e superficial charlatanaria da questão entre optimismo e pessimismo!

Fui quem primeiro viu o verdadeiro contraste: o instinto de degenerescência que se volta contra a vida com avidez subterrânea de vingança (cristianismo, filosofia de Schopenhauer, em certo sentido já a filosofia de Platão, todo o idealismo, são formas típicas desse instinto, e uma fórmula de suprema afirmação, nascida da plenitude, da superabundância, um dizer «sim» sem reserva, até mesmo ao sofrimento, até mesmo à culpa, e perante tudo quanto a vida tem de problemático e de estranho... Este «sim» definitivo, jocundo, exuberante e orgulhoso dado à vida não é apenas a intenção mais alta, mas é também a mais profunda, a mais rigorosamente confirmada e sustentada pela verdade e pela ciência. Nada do que existe deve minorar-se, nada é supérfluo - os aspectos da existência negados pelos cristãos e por outros niilistas são de grau infinitamente mais alto na hierarquia dos valores do que aquilo que o instinto de decadência tem de aprovar e «chamar bom». Para o compreender carece-se de valentia e, como condição de valentia, de um excesso de força, porque só na medida em que a valentia se alimenta de uma superabundância de força, se aproxima o homem da verdade. O conhecimento da verdade, o dizer «sim» à realidade, constituem para o forte a mesma necessidade que, para o fraco, sob a inspiração da fraqueza, são a cobardia e a fuga ante a realidade, o «ideal»!... A este não é dado conhecer: os decadentes vivem da mentira, têm nela uma das condições da própria conservação, O que não só compreende a palavra «dionisíaco», mas se compreende a si mesmo na palavra «dionisíaco» não carece de refutar nem Platão, nem o cristianismo, nem Schopenhauer: cheira-lhe de longe à «putrefacção».





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