Ecce Homo - Cap. 2: Porque sou tão sábio Pág. 7 / 115

Acaso depois disto tudo, precisarei de dizer como sou perito nos problemas de decadência: Em sentidos opostos o examinei eu já. Nomeadamente, aquela arte de filigrana do perceber e dó compreender em geral, aquele tacto para os matizes, aquela psicologia dos «recantos escusos» e tudo quanto me é peculiar, foi então aprendido, e é esse o verdadeiro dom daquela época em que tantas faculdades em mim se apuraram, a própria observação e todos os seus órgãos. Considerar as ideias e valores mais sadios a partir da óptica do enfermo, e, contrapostamente, mergulha no olhar, até ao trabalho secreto dos instintos de decadência a partir da plenitude e da segurança que de si própria possui a vida pujante - tal foi o meu mais completo exercício, a minha verdadeira experiência, nisto chegando a ser mestre, se vez alguma em alguma coisa o fui. Hoje, autêntico senhor da minha mão, tenho-a pronta para transformar perspectivas: primeira razão pela qual só porventura a mim foi dado promover uma «transmutação de valores».

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 parte o facto de ser um decadente, sou também todo o contrário de um decadente. a prova disso, entre outras coisas, que escolhi sempre, nas piores situações, remédios adequados: o decadente, bem pelo contrário, escolhe sempre os remédios mais nocivos a si próprio.

Na minha plenitude, era saudável; em pormenor, era decadente. Aquela energia com que procurei o absoluto isolamento e a libertação das habituais formas de viver, o ter-me obrigado a mim próprio a não me deixar curar, tratar, medicar, tudo isto revela a segurança instintiva quanto àquilo de que eu então carecia sobre todas as coisas.

Tratava-me com todos os cuidados, curava-me a mim próprio: a condição para obter êxito neste ponto - todo o fisiologista o admitirá - é a de estar radicalmente são.





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