Ecce Homo - Cap. 2: Porque sou tão sábio Pág. 8 / 115
Um ser tipicamente doente não pode voltar a sarar, e ainda menos a curar-se por si próprio; para um ser tipicamente saudável, o estar doente pode por vezes constituir enérgico estímulo de vida, de mais vida. Eis como evoco hoje aquele meu largo tempo de enfermidade; descobri, digamos, de novo a vida, compreendi-me a mim próprio, apreciei todas as coisas boas, e até as mais modestas, como não é fácil que outros possam apreciá-las, e da minha vontade de saúde, e de vida, fiz a minha filosofia... Porque, atenda-se a isto, os anos em que mais baixa foi a minha vitalidade, foram justamente aqueles em que deixei de ser pessimista: o restabelecimento instintivo defendeu-me de uma filosofia de pobreza: e desânimo... E como é que se reconhece, no fundo, uma boa constituição? Em que um homem bem constituído agrada aos nossos sentidos; no ter sido talhado na madeira ao mesmo tempo mais dura e preciosa. Convém-lhe só o que o favorece: o agrado, o prazer, cessam nele quando a medida do suportável é ultrapassada. Adivinha remédios contra o que é prejudicial, desfruta em seu proveito dos casos nocivos; o que o não mata, favorece-o. Faz instintivamente uma suma de tudo quanto vê, ouve e vive; é um princípio selectivo, e assim deixa cair muitas coisas. Encontra-se sempre no seu próprio mundo, sejam livros, homens ou paisagens; honra enquanto escolhe, enquanto admite, enquanto confia. Reage lentamente a todo o estímulo, com aquela lentidão para que o prepararam a longa prudência e o orgulho bem consciente; sente o encanto próprio de tudo quanto dele se aproxima mas está longe de ir ao seu encontro. Não crê nem em «desgraça» nem em «culpa»; sente-se de bem consigo, com os outros, sabe esquecer, - é forte bastante para que tudo se realize com o melhor proveito para ele.