leva uma criança a abanar um dente solto, pegou num volume de ar pretensioso - Alguns Aspectos do Barroco Italiano -, abriu-o, leu um parágrafo e voltou a arrumá-lo com um misto de ódio e inveja. Aquela devastadora omnisciência! Aqueles requintes nocivos, com óculos de aros de tartaruga! E o dinheiro que semelhantes requintes significa! Porque, bem vistas as coisas, o que há por detrás senão dinheiro? Dinheiro para a educação apropriada, para amigos influentes, para o lazer e paz de espírito, para viagens à Itália. O dinheiro escreve livros e vende-os. Não me deis a rectidão, Senhor; dai-me dinheiro, só dinheiro!
Tornou a fazer tilintar as moedas na algibeira. Tinha quase trinta anos e não realizara nada.,- somente o seu mísero livro de poemas, que caíra tão espalmado como uma panqueca. E, desde então, durante dois anos inteiros, lutara no labirinto de um livro horrível que não avançava e, como reconhecia nos momentos de lucidez, jamais avançaria. Era a falta de dinheiro, simplesmente isso, que lhe roubava o poder para «escrever». Apegava-se à ideia como a um artigo de fé. Dinheiro, dinheiro, tudo gira à sua volta! Seria possível escrever sequer uma novela de cordel sem dinheiro para encorajar o impulso? Espírito inventiva, energia, subtileza, estilo, encanto - todos estes ingredientes têm de ser pagos em metal sonante.
Não obstante, enquanto olhava as prateleiras sentia-se um pouco confortado. Havia muitos livros amarelecidos e ilegíveis. No fundo, encontramo-nos todos no mesmo barco. Memento mori. A vocês, a mim e aos jovens pretensiosos de Cambridge espera o mesmo esquecimento - embora sem dúvida espere mais tempo no caso dos jovens pretensiosos de Cambridge. Contemplou os «clássicos» embotados pelo tempo junto dos seus pés. Mortos, todos eles. Carlyle, Ruskin, Meredith e Stevenson - morreram todos, que Deus os apodreça. Fixou o olhar nos títulos desmaiados. Cartas Escolhidas de Robert Louis Stevenson. Ah! Ah! Essa era boa. Cartas Escolhidas de Robert Louis Stevenson! A parte superior estava enegrecida pelo pó. Tu és pó e em pó te hás-de tornar.