As suas palavras ardiam. E subterrâneo, incansável, férreo, minava. Ia à procura de ódios para os atiçar.
Pregava-lhes, apontando o Hospital:
– É ali! ali!...
Falava dos montes e das águas, mas confundia tudo: aquela noite de Março esbraseara-o.
– É uma coisa esplêndida! É ao mesmo tempo a frescura e o fogo, um incêndio verde que pacifica e estanca toda a sede. Águas a rolar e árvores esgalhadas falando... Sabeis o que são árvores? Há ali montanhas de riqueza, tesouros para lá da dor... Deitai abaixo! Deitai-o abaixo!...
Todos os desesperados conheciam essa figura que surdia com a noite.
– Há montes todos de oiro erguidos para o céu, há oiro nas árvores, oiro nos montes e no tojo... Todas de oiro são as águas a rolar. Há seda viva e árvores... Há árvores! E tantas vozes a falar... Tudo fala! tudo fala!
E os pobres, os transidos, os homens encardidos de desgraça, escutavam-no e punham-se a falar sozinhos.
Primeiro a Árvore, e depois aquelas palavras, empoeiravam-nos de inquietação e tristeza. A noite era como um brasido que alguém remexe. Ouvira-se o primeiro murmúrio, a zoada como um rio que incha e trasborda.
– Há oiro! para lá há oiro!...
E era como se do globo tivesse irrompido uma torrente de sonho. O Prédio parecia abalado. Todo aquele terriço de criaturas o esbraseara.
– Tanto sonharam! tanto sonharam!...
Pobres, que fariam senão deitar as mãos tábidas a um outro universo que eles pressentiam ígneo? À força de sonhar materializaram o sonho.
Ei-los gastos e ardidos. Depois de dar luz, um toro converte-se em cinza, e no rescaldo todos os toros se confundem. Não conheciam da vida senão a dor.
Gesticulavam, olhavam absorvidos, perdidos de emoção, como quem descobre nova terra, e deitavam-se a falar uns para os outros sem se entenderem.